Por Bruno Freitas
Se você que gosta de xadrez tiver oportunidade de enfrentar uma menina de 12 anos, talvez pense em facilitar a ação da rival para tornar o jogo mais equilibrado. Mas esta não é exatamente a estratégia adequada quando a adversária é Katherine Vescovi, cuja destreza nos movimentos com torres e cavalos somada à série de vitórias contra garotas mais velhas constroem a reputação de menina-prodígio da modalidade no país.
Filha de Giovanni Vescovi, heptacampeão brasileiro adulto e número 1 do ranking do país, Katherine rapidamente chegou ao status de grande promessa do xadrez feminino nacional, graças a um currículo de bicampeã paulista, bicampeã brasileira, campeã sul-americana e um 23º lugar no Mundial da Turquia. Além
A rotina de Katherine em São Paulo combina a escola com aulas de xadrez e exercícios de cálculos voltados para o esporte. “Quase todo dia jogo com o meu pai e com o meu irmão. Indo para a escola, no trânsito, a gente vai resolvendo alguns cálculos, jogando às cegas dentro do carro, sem o tabuleiro mesmo”, conta a extrovertida campeã.
Na escola, Katherine conta levar na boa as brincadeiras sobre “ser uma nerd”. No entanto, a enxadrista de 12 anos diz ser uma menina das mais normais, que gosta de dançar e de música pop. Mas a campeã dos tabuleiros não integra a massa de fãs da banda Restart, composta principalmente por adolescentes da sua faixa etária, como algumas de suas amigas.
“Nem pensando. Odeio Restart. Gosto mais de Kate Perry e de Shakira”, afirma a campeã de xadrez, revelando preferências estrangeiras.
Mas se a popular banda do vocalista Pe Lanza não entusiasma Katherine, a enxadrista revela que quem faz mesmo a sua cabeça é o quarentão Garry Kasparov, considerado um dos maiores nomes da modalidade em todos os tempos. A jovem campeã diz que adora ler a respeito do jogo do ídolo russo.
O êxito precoce fez a menina receber um patrocínio da Semp Toshiba, multinacional de tecnologia que banca as despesas de suas viagens para competições já há alguns anos. Já o trabalho com professores de primeira linha é um investimento que sai do bolso do pai.
O currículo de campeã precoce e o sobrenome ilustre dentro do universo de xadrez brasileiro tornam Katherine o nome a ser batido em muitos torneios. Por isso, em casa, o pai Giovanni procura trabalhar para dosar pressão e ansiedade da filha dentro do ambiente de competição. Muitas vezes os dois travam duelos domésticos no tabuleiro, em que o Vescovi mais experiente não costuma aliviar.
“Procuro levar o jogo de uma forma equilibrada, para que ele se prolongue. Na maior parte das vezes, busco orientar ela durante a partida, mesmo sendo uma brincadeira. Digo coisas como onde pode atacar, qual a prioridade da defesa. Quero passar algum conteúdo. Mas não acho legal os pais ficarem entregando o jogo só para deixar a criança feliz, transmitindo uma falsa sensação de felicidade”, afirma Giovanni, jogador com status de Grande Mestre e integrante do top 100 do mundo desde 2002.
Pai e filha quase tiveram que jogar “pra valer” em uma oportunidade, em um torneio que mesclava categorias. O duelo não aconteceu por pouco, mas em casa Katherinedesafia o irmão mais novo Giovanni quase diariamente.
“Normalmente eu ganho, mas ele vai melhorando e isso ajuda os dois. Quando um leva um mate (xeque-mate) legal, corre para chamar o pai e a mãe para mostrar”, diz, citando o termo que descreve a clássica jogada de definição do xadrez.
Mais experiente depois de seu primeiro Mundial, Katherine espera neste ano melhorar sua posição na edição que será disputada no Brasil, no segundo semestre. No torneio a jovem deseja reeditar a partida de maior rivalidade de sua breve carreira. “Existe rivalidade quando a gente perde. Quero me vingar da menina que ganhou de mim. É uma polonesa, Agneska. Não lembro o sobrenome”, afirma, com bom humor.
Enquanto o momento da revanche contra a algoz polonesa não chega, Katherine seguirá mesclando a vida entre o xadrez e a escola, onde conseguiu melhorar na matéria em que tinha mais dificuldade. Segundo seu pai, graças ao raciocínio desenvolvido em cima dos tabuleiros.
“Minha filha era muito ruim em matemática, ela não conseguia entender os números, isso me preocupava. Mas depois de uns dois ou três anos de treinamento sério, teve uma mudança brutal. Antes ela tinha um lado mais artístico. Não que isso fosse ruim. Mas agora ela vai bem também em matemática”, conta o pai Giovanni, orgulhoso.
Fonte: UOL